Já comentamos nesta coluna, exaustivamente, sobre o envelhecimento da população mundial. Em breve teremos mais idosos do que crianças. Mas infelizmente, talvez ainda não estejamos preparados para conviver com uma população idosa. Uma das provas disso é a infantilização que familiares, amigos, cuidadores e até mesmo profissionais da saúde, fazem com as pessoas idosas.
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Inclusive, na língua inglesa existe o termo “elderspeak”, que se refere à forma infantilizada de se falar com um idoso. São exemplos, falar mais devagar ou mais alto, enunciar palavras demais, simplificar os padrões de fala, usar palavras no diminutivo (comidinha, roupinha), falar apenas com o acompanhante, como se o idoso não estivesse ali, não considerar a opinião da pessoa e o histórico dela em decisões importantes.
É como se a maturidade e as respectivas capacidades cognitivas de um idoso fossem incompatíveis com as da vida adulta, como se ele tivesse o mesmo nível de compreensão de uma criança da primeira infância.
Algumas pessoas poderão pensar que é uma forma afetuosa de tratar o idoso que está fragilizado. Mas não é tão simples.
Segundo Valmari Cristina Aranha, psicóloga com especialidade em gerontologia, é perfeitamente possível ser carinhoso e empático em relação ao idoso, sem descaracterizar a identidade e a personalidade dele. É importante que se dissocie a ideia de que, para ser empático, você precisa ser engraçado e fofo com os idosos.
Na realidade, é necessário ser coerente, direto e falar com uma linguagem que ele entenda, e isso tem relação com a capacidade cognitiva, escolaridade, déficit auditivo ou visual e, não simplesmente com a idade.
Barreira entre o idoso e o mundo
Para muitos pesquisadores da área da gerontologia, a infantilização do idoso é um insulto e uma forma de violência, que pode destruir a autoconfiança, gerar conflitos e acelerar o declínio cognitivo. Sempre que se minimiza a autoestima e autoconfiança de um idoso, ele se vê como frágil e incapaz.
Estes pequenos insultos também costumam gerar percepções mais negativas do envelhecimento, e sabe-se que aqueles que têm imagens mais negativas do processo de envelhecimento apresentam pior saúde funcional ao longo do tempo, incluindo taxas de sobrevivência mais baixas.
É como se colocássemos uma barreira entre o idoso e o mundo, como se este estivesse diminuindo de importância enquanto sujeito. Isso traz consequências drásticas na saúde mental e física.
Estados de tristezae melancolia
Pode-se afirmar que o sentimento de incapacidade de gerir a própria vida e a autodesvalorização que o tratamento infantilizado veladamente promove, afeta o humor e até mesmo a vontade de viver. Desencadeia estados de tristeza e melancolia que podem se encaminhar para sintomas de depressão, apressar a perda cognitiva, a senilidade e todas as doenças físicas e mentais ligadas ao envelhecimento.
Segundo a psicóloga Valmari Aranha, um idoso frustrado, humilhado, que se sente destituído de sua capacidade como sujeito, tende a ficar mais introspectivo, isolado e triste, podendo agravar quadros depressivos pré-existentes ou até proporcionar o surgimento de um estado novo de depressão.
Todas as coisas boas e as facilidades que temos hoje devemos a eles!
Portanto, lembremo-nos que o envelhecimento é uma condição como qualquer outra da vida, e se tudo der certo, todos passaremos por isso. Não implica necessariamente em fragilidade, regressão, incapacidade ou inferioridade. Pelo contrário! As pessoas idosas têm muito mais vivências, experiências, sabedoria e maturidade que os mais jovens.
Tem muito mais histórias para contar e muito mais a ensinar. Viveram e sobreviveram em tempos muito mais difíceis do que os atuais. Todas as coisas boas e as facilidades que temos hoje devemos a eles! E eles já venceram muitas das batalhas as quais os jovens de hoje estão ainda lutando.
Escrevo essa coluna quinzenal sobre envelhecimento há um ano e meio, e penso que é chegado o momento de mais pessoas terem a oportunidade de falar sobre um assunto tão importante.
Neste período aprendi muito e espero ter contribuído de alguma forma com as pessoas que pensam, discutem e vivem o processo de envelhecimento. Me despeço da coluna, mas continuo estudando o envelhecimento em todas as suas formas, tanto como pesquisadora e professora, quanto como individuo que vive o processo de envelhecer na esperança de fazê-lo com qualidade, boa saúde e muita disposição.